A pressão de ser vista e a liberdade de ser lembrada
ser lembrada conforta, e memórias duram mais do que impressões momentâneas
quero ser lembrada, mas não quero ser vista. quero que pensem em mim sem que eu precise estar lá, sem que minha presença dependa da minha disposição para ser observada, analisada ou cobrada.
ser vista exige que eu me molde, que eu me encaixe no que esperam, que eu me mostre de um jeito que nem sempre reflete quem eu sou. ser lembrada é diferente. é como o perfume que fica no ar depois que alguém vai embora — sutil, mas impossível de ignorar.
não quero ter que me explicar a cada olhar. não quero ser um livro aberto para quem folheia com pressa e tira conclusões pelo título. ser vista me obriga a medir gestos, palavras, reações. ser lembrada me permite ser um poema que fica na memória de alguém, mesmo que só um verso, mas que um dia volta à mente e faz sentido.
estar disponível o tempo todo me esgota. ser vista significa ser acessível, ser interpretada, ser avaliada por olhos que nem sempre enxergam de verdade. quero que meu nome apareça em uma conversa como uma música que toca de repente e desperta uma memória boa.
quero ser aquela lembrança que surge de repente, sem esforço, sem controle. ser vista é exposição, como uma vitrine que todo mundo julga sem saber o que há dentro. ser lembrada é liberdade, como um bilhete dobrado esquecido no bolso, mas que, ao ser encontrado, aquece o peito.
quando sou vista, sinto que sou reduzida a uma impressão momentânea, a um julgamento rápido, muitas vezes raso. as pessoas olham e tiram conclusões. se eu não explico, interpretam do jeito delas. se eu explico, ainda assim distorcem. é como tentar segurar areia nas mãos — por mais que eu tente, ela sempre escapa de alguma forma.
ser lembrada é diferente. alguém pode se recordar de um gesto meu, de uma frase que eu disse, de algo que fiz. e isso basta. porque a memória guarda essência, não só aparência.
quero ser uma presença que fica de forma leve, como a luz do fim da tarde entrando pela fresta da janela.
ser vista é ser julgada. ser lembrada é permanecer de outro jeito. é estar presente sem estar em evidência. é como o mar que continua existindo mesmo quando ninguém está olhando.
se eu pudesse escolher, seria assim: meu nome ficaria, eu descansaria.
ser vista me obriga a me adaptar. a sorrir quando não quero, a parecer bem quando não estou. é vestir uma roupa apertada só porque disseram que me cai bem.
ser lembrada me deixa ser quem eu sou, sem precisar atuar. é um vestido largo e confortável, daqueles que abraçam o corpo sem sufocar.
prefiro ser memória do que espetáculo. prefiro existir no que deixo nos outros do que me desgastar tentando caber nas expectativas deles.
ser lembrada é mais verdadeiro. ser vista, na maioria das vezes, é como um reflexo num espelho trincado — as pessoas enxergam pedaços, mas nunca o todo. é ser moldada por percepções que não me pertencem.
elas projetam em mim suas próprias impressões, expectativas e julgamentos, e o que sobra raramente é quem eu realmente sou.
ser lembrada é permanecer na essência. ser vista, muitas vezes, é ser distorcida pelo olhar de quem só vê o que quer ver.
é como ser uma pintura exposta a críticas de quem nunca segurou um pincel, de quem julga cores sem conhecer a história por trás de cada traço.
prefiro ser lembrança do que ilusão. prefiro existir onde sou sentida, e não apenas observada.
ser lembrada me mantém inteira, enquanto ser vista, quase sempre, me fragmenta.
ei, você que leu até aqui! obrigada! se gostou, deixa um comentário ou um coração? vou adorar saber!
seu texto me fez pensar. sabe aquele mommento em que você precisa parar, olhar para um ponto aleatório e deixar as ideias tomarem forma? exatamente assim.
ser visto não é sinônimo de ser lembrado, a gente se engana ao pensar que tudo o que é exposto é enxergado por outro alguém. essa ideia performatica que criamos de nos montarmos para sair, para postar, para se expor, não é real, estamos montando um personagem que não atinge as pessoas que queriamos que nos vissem. por isso que é sempre um transtorno estar em grupo, o "lá fora" parece uma cena grotesca, vários atores mais ou menos inerpretando um papel raso e esquecível. por isso que não lembramos da maior parte das pessoas com as quais convivemos, se não me mostrar uma foto não sei quem é.
sabe de quem lembramos? da menina de cabelo colorido que não tinha medo de ser autentica, do menino que andava com a cara enfiada nos livros do Harry Potter, do colega que gostava de coisas diferentes e não tinha vergonha disso, do que chorava a toa, do que tinha uma riada gostosa, do que não tentava ser o que não era mesmo que ele fosse visto como esquisito por isso. no final só precisamos agradar a nós mesmo. de quem você se lembra? como gostaria de ser lembrado?
Parece que leu o meu coração. Sempre tive vontade de começar nas redes sociais, construir uma comunidade e poder ser livre. Porém, o medo de ser vista me prende até hoje e tudo o que li se identifica 100% com a minha situação. Amei o text <3