Mudar é desconfortável, mas não mudar é insuportável
quando o medo da mudança parece maior do que a mudança em si - #26
mudanças quase nunca avisam quando vão chegar. algumas chegam devagar, quase em silêncio, como aquela luz da manhã que vai clareando o quarto aos poucos. outras vêm sem pedir licença, como um vento que leva tudo pelo caminho. mas, de um jeito ou de outro, sempre acompanhadas de um intervalo — um lugar entre o que já foi e o que ainda não é.
tem também a mudança que a gente escolhe fazer. aquela que nasce de um incômodo, de uma vontade de sair do lugar, de um desejo de ser ou viver algo diferente. mas essa, por mais que a gente queira, também assusta.
porque mudar, mesmo quando é planejado, significa abrir mão de alguma coisa, e abrir mão de algo na vida nunca é fácil.
eu me considero uma pessoa muito medrosa. adio decisões, crio cenários catastróficos na cabeça, me apego ao que já conheço só porque é familiar. às vezes, fico tanto tempo nesse limbo entre o medo e a vontade que a mudança acaba acontecendo de um jeito ou de outro — e quando percebo, sou uma página em branco de uma história que não foi escrita por mim.
mas a verdade é que nenhuma mudança acontece sem risco. e talvez o maior risco seja esperar demais, torcendo para que a coragem apareça sozinha. no fim, toda mudança exige um salto, mesmo que pequeno, mesmo que com medo. porque a vida não espera a gente decidir se está pronta. ela acontece, com ou sem nossa permissão.
tem um momento da minha infância que voltou à minha memória esses dias. eu devia ter uns oito ou nove anos. era o primeiro dia de aula em uma escola nova, eu estava com uma mochila maior que o corpo, segurando a mão da minha mãe. lembro da sensação do chão frio de ladrilho e do cheiro da sala, uma mistura de papel novo e pó de giz. o estômago revirava. eu não queria estar ali.
não era exatamente medo do lugar ou das pessoas, era medo do que aquilo ia mudar em mim. mesmo sem entender muito bem, eu já sabia que depois daquele dia eu não seria a mesma. a gente sempre sabe, só não sabe explicar.
acho que essa sensação nos acompanha a vida toda. quando algo novo se apresenta, mesmo que seja o que a gente queria ou esperava, vem essa força que puxa para trás, como se o corpo inteiro dissesse: fique onde está.
mudar implica perder um pedaço de quem a gente foi, e tem uma parte nossa que luta para manter o que já conhecemos — mesmo que o que já se conhece não faça mais sentido.
“há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. é o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” — Fernando Pessoa
eu gosto de pensar que a resistência à mudança é como insistir em usar uma roupa que não serve mais. a gente se aperta, se dobra, se acostuma com o incômodo, só para não ter que encarar o vazio do cabide enquanto a nova roupa ainda não chegou.
permanecer no que já não nos cabe também dói — só que conhecemos bem essa dor, então ela parece mais segura.
a ideia da mudança sempre vem carregada de despedidas silenciosas. é difícil se despedir até mesmo do que já não faz mais sentido, porque, no fundo, é uma forma de dizer adeus para quem a gente foi um dia.
tenho pensado muito sobre como a resistência ao novo, muitas vezes, não tem tanto a ver com o que está por vir, mas com quem a gente precisa deixar para trás para seguir em frente.
o que me impede de mudar não é o medo do que vem em seguida, é o apego ao que já não sou mais.
acredito que o medo da mudança quase sempre é maior do que a mudança em si, a resistência ao novo quase sempre é uma forma de proteger quem a gente já não é mais.
o primeiro dia de escola teve seu fim, o corpo se acostumou com a nova rotina, os rostos desconhecidos se tornaram parte do cotidiano. o que parecia impossível vira memória dentro da gente.
toda mudança envolve uma despedida, por menor que seja. algo vai ficar pelo caminho — mas algo novo também vai nascer, mesmo que a gente ainda não consiga ver.
estou sempre resistindo às mudanças, mas tento me perguntar: o que estou protegendo? será que essa versão de mim mesma que está agarrada ao conhecido ainda faz sentido? ou já é hora de abrir espaço para o que vem depois?
o cabide vazio pode me assustar, mas é ele que prepara o lugar para a roupa nova chegar.
se esse texto fez sentido pra você, me conta nos comentários? vou adorar saber o que acha!
coincidentemente, esse texto apareceu em uma hora que eu estou precisando muito.
acho que pior que ter medo da mudança, é ter passado por uma mudança grande e não querer lidar com ela de novo, as vezes a vida tem dessas.
“o que me impede de mudar não é o medo do que vem em seguida, é o apego ao que já não sou mais.“
ai q tapa na cara, amei