Por que sou tão cruel comigo mesma, se sei que mereço amor?
A voz mais dura que conheço é a minha própria.
Eu vejo tanta beleza e complexidade em cada pessoa ao meu redor, mas, quando olho para mim, é quase impossível sentir essa mesma empatia. Faz tempos que me sou a minha maior crítica. É como se eu vivesse com uma balança desigual: uma medida rígida e severa para mim, e outra leve, cheia de compreensão, para os outros.
Enquanto me esforço para oferecer esse espaço e essa bondade para os outros, acabo reservando muito pouco disso para mim.
Sorrio porque é mais fácil do que explicar por que estou triste. O sorriso economiza perguntas, evita os olhares de pena. Ele é o tá tudo bem que as pessoas precisam ouvir, mesmo quando, por dentro, mal consigo organizar o caos que sou. Sorrir se tornou um reflexo quase automático, e muito mais fácil do que tentar explicar o que nem eu entendo.
Ao olhar para dentro de mim, o julgamento vem antes de qualquer tentativa de compaixão. Parece que criei uma régua com padrões inalcançáveis, que uso para medir cada deslize meu. Para os meus erros, não existem desculpas. Não me permito nuances, nem contexto. Simplesmente resumo tudo em uma palavra: falha. Eponto final.
Encontro um espaço repleto de histórias, cicatrizes e momentos de pura vulnerabilidade, onde o amor-próprio se esconde atrás das sombras do perfeccionismo que eu insisto em tentar transformar em uma forma de controle. Mas é só uma ilusão que crio para não encarar o caos que me habita, para não aceitar que falho, que me despedaço, que às vezes nem sei se vou conseguir juntar todos os pedaços de volta.
Carrego as marcas do que tentei ser e do que nunca consegui alcançar. Tem uma voz que não se cala, dizendo que eu deveria ser mais, fazer mais, consertar o que parece estar sempre quebrado em mim. Mas, no fundo, nem eu sei ao certo o que precisa ser consertado. Talvez tudo. Talvez nada. E essa incerteza me sufoca.
Admitir tudo isso é como se despir diante de um espelho que eu evito olhar por muito tempo. Não porque não quero ver, mas porque tenho medo de enxergar. Medo do que vou encontrar entre as camadas de perfeccionismo e autossabotagem que cuidadosamente construí ao longo dos anos. Medo de admitir que, às vezes, eu não sei como levar isso adiante. Construí padrões tão inalcançáveis que até meus sonhos se cansam de tentar alcançá-los.
Isso me faz pensar: por que é tão difícil me tratar com a mesma generosidade com que trato os outros? Por que acolher as imperfeições de quem está ao meu redor é tão natural, mas aceitar as minhas próprias é tão doloroso? Talvez seja o medo de parecer acomodada ou egoísta. Ou talvez seja só um hábito que ainda não consegui mudar.
Entender que não sou indispensável para os outros me ajuda a ver minha própria importância. Perceber que não posso esperar que alguém preencha os vazios dentro de mim, pois isso não seria justo. Não é a responsabilidade de ninguém me sustentar - essa tarefa é unicamente minha.
E de certa forma, não preciso ser essencial para todo mundo me dá liberdade. Liberdade para ser humana, para ser falha, para ser mais eu. Liberdade para reconhecer que, mesmo quando erro, mesmo quando me julgo com dureza, ainda assim sou importante para mim. Aceitar que sou merecedora do mesmo olhar de bondade que dou aos outros é, talvez, o maior ato de amor que posso ter comigo mesma.
Pode parecer simples, óbvio até, mas quando penso nisso, vejo o quanto é difícil de verdade. Tem dias que consigo me tratar com um pouco mais de humanidade. Em outros, ainda levo comigo essa régua cruel, sem saber muito bem como deixá-la para trás. Mas só reconhecer isso, só conseguir enxergar esse processo, já me parece um começo. Aos poucos, eu vou aprendendo a ser mais gentil comigo, trocando a necessidade de perfeição por algo mais real, mais leve, mais humano.
Tento sempre me lembrar que o olhar de carinho que dou aos outros também deve ser um abrigo para mim mesma. Ainda estou aprendendo a acolher esse espaço dentro de mim, onde encaro minhas falhas como uma parte natural do meu ser.
Naqueles dias mais difíceis, tento respirar fundo e lembrar que não preciso ser tudo para todos e nem carregar o mundo nas costas. E mesmo que esse vazio se recuse a ir embora, tem um tipo de beleza dolorosa nesse abraço entre as falhas e a verdade nua do meu ser.
Quando a noite cai e me vejo só com meus pensamentos, tento ouvir o sussurro sereno que, mesmo tímido, insiste em me lembrar que sou digna de amor, inclusive do meu próprio amor. Entender que sou obra em constante construção, cheia de histórias que merecem ser ouvidas com carinho.
Escolher ser mais gentil comigo mesma é como reaprender a andar, um passo de cada vez. Às vezes eu tropeço, volto aos velhos padrões. É como se, nesses tropeços, eu me lembrasse que até o aprendizado é imperfeito. Porque, no fundo, o amor-próprio não é um destino, mas um exercício diário de olhar para dentro.
Estou aprendendo, mesmo que de forma lenta e por vezes dolorosa, que cada marca, cada erro, é testemunho de uma luta – e de um renascer.
Às vezes, essa caminhada interior parece um labirinto, mas fui descobrindo que é possível acender pequenas luzes. Luzes que se tornam faróis internos, nos momentos em que decido que ser humana envolve, antes de tudo, um olhar gentil e carinhoso para mim mesma.
Minha maior batalha não é contra o mundo, mas contra a voz dentro de mim que insiste em dizer que nunca sou suficiente.
Essa escolha, embora simples em palavras, é revolucionária para a alma: dizer que eu também mereço esse cuidado é resgatar pedaços meus que há muito tempo estavam escondidos, e tudo isso me aproxima cada vez mais do abraço interno que tanto preciso.
Continuo olhando para o espelho com a intenção de enxergar não os meus defeitos, mas a força e o amor que residem em cada curva da minha existência. Afinal, se posso acreditar que mereço o mesmo cuidado que ofereço ao mundo, então, gradualmente, vou me permitindo florescer de dentro para fora.
Olho para as minhas cicatrizes e vejo nelas mapas confusos de lugares onde nunca quis estar, mas onde, de alguma forma, me tornei quem sou. Não existe grandiosidade nisso, apenas o fato de existir em todas as suas imperfeições e falhas.
Entre a busca pela perfeição e a aceitação, ainda estou no meio do caminho.
Talvez eu seja apenas uma coleção de tentativas, de promessas quebradas, de esperanças afogadas em medos que nunca consegui enfrentar. E ainda assim, existe algo quase poético em saber que mesmo o que se quebra continua sendo parte de alguma coisa, um pedaço de uma história que não precisa ser bela para ser verdadeira.
O crepúsculo dos meus medos e o nascer incerto de novos dias me faz perceber que cada cicatriz guarda um poema escrito com tinta de lágrimas. As minhas marcas até aqui são o testemunho vivo de quem fui, quem sou e talvez quem nunca serei.
A beleza da vida está em aceitar o paradoxo de sermos completos na nossa incompletude. E mesmo que o amor-próprio se esconda, cada imperfeição se transforma num verso que compõe a melodia complexa de viver: sem finais felizes pré-fabricados, mas cheia da força visceral de quem realmente somos.
Nessa caminhada chamada vida, tento me lembrar que sou só uma pessoa, como qualquer outra. E por isso mesmo, também mereço o amor que tantas vezes ofereço ao mundo, pois sou real, mesmo na minha fragilidade.
Ela pode ser um tanto bagunçada, mas por que continuar contando os tropeços quando a nossa jornada é tão única? Cada erro é uma pincelada na tela que me torna quem sou. Mesmo que a autoaceitação às vezes decida brincar de esconde-esconde, é nas imperfeições que está o charme autêntico de viver.
Quero é continuar escrevendo a minha própria história e pintar o meu próprio quadro, mesmo com mãos trêmulas e o coração inquieto.
É lindo ver alguém falar dos mesmos sentimentos que eu tenho de um jeito tão bonito e sincero. Obrigada por compartilhar!
❤️🩹❤️🩹