Quando o mau humor é um pedido de socorro
A superfície áspera e a linguagem de um coração e mente exaustos
Tem dias em que eu mesma não me reconheço. O corpo caminha, mas a alma parece perdida. Fico impaciente, irritada com tudo e todos, querendo silêncio, mas também querendo colo.
Às vezes eu me sinto tão envergonhada… como se eu fosse sempre a última a entender o que está acontecendo com a minha própria vida.
Por muito tempo, achei que era só mau humor, algo passageiro.
Comecei a perceber que, na verdade, era o reflexo de um acúmulo — de cansaço, de emoções camufladas por sorrisos que eu não queria dar, de pedidos de ajuda que nunca tive coragem de dar forma em palavras, externalizar, assumir em voz alta. É sobre tudo que venho empurrando com a barriga, sobre o que eu sinto e não compartilho.
Quando a gente não sabe como pedir ajuda, o corpo pede por nós — em forma de cansaço, irritação, silêncio. E aí vem o rótulo: mau humor. Mas, por trás dele, pode estar a verdadeira raiz do desconforto. O que você sente hoje talvez seja só o acúmulo de tudo que ignorou ontem. Aquela impaciência repentina pode ser só um pedido de respiro que você tem adiado.
Aprendemos a seguir em frente, mesmo com o coração tropeçando.
Lidei com noites mal dormidas, olhos cansados que não brilham mais como antes, gritos contidos, lágrimas que secam antes mesmo de cair, sorrisos forçados, afastamentos involuntários, momentos de raiva que parecem exagerados até pra nós mesmos. O corpo sente o que a mente tenta esconder, afinal.
A raiva, nesses momentos, é o escudo que a usamos quando não sabe mais como pedir ajuda. No fundo, pode ser tristeza vestida de impaciência. A resposta de quem já se doou demais e se perdeu no processo.
É o não que a gente aprendeu a dizer quando o sim já machucava demais. O grito calado de quem só queria dizer: eu não aguento mais. A raiva aparece quando o coração já cansou de apanhar calado.
Com o tempo, percebi que muitas vezes a raiva era uma forma de tristeza que eu não sabia nomear. Era uma dor tentando se proteger. Uma perda mal digerida, uma frustração guardada, um luto que não chegou a ser vivido. Não só pelo que acabou, mas pelo que poderia ter sido e não foi.
Tem gente explodindo por fora porque está se despedaçando por dentro. Esse ressentimento se apresenta com força, com dureza, parece nos deixar no controle. Mas por trás dela, muitas vezes, existe um coração cansado, tentando segurar as pontas.
A irritação é o escudo. A tristeza é o que está tentando se proteger atrás dele.
A gente aprende a endurecer antes de aprender a sentir. É mais fácil ser impaciente do que admitir que se está frágil. A raiva tem a vantagem de afastar os outros. A tristeza, por outro lado, convida à aproximação — e nem sempre estamos prontos para isso.
Só que esconder a dor não faz com que ela desapareça. Ela se disfarça, muda de roupa, mas continua ali. E o corpo sente. A mente sente. As relações sentem.
Preciso olhar com mais gentileza para esses momentos de irritação, de mau humor. Eles podem ser na verdade um pedido de acolhimento vindo de dentro. Um jeito torto de dizer que algo em mim ainda está ferido. O que é conhecido como mau humor pode ser o coração tentando não desabar por completo.
Ao me fechar, eu só tento me manter inteira — ou pelo menos recolher o que ainda restava, juntar o que sobrou de mim, pedaço por pedaço. Não era sobre afastar os outros, era sobre não me perder de vez.
Às vezes era cansaço de me doar, me explicar, de ser mal interpretada. É um jeito de respirar sem precisar justificar a dor. Um abrigo improvisado, mesmo que apertado, pra tentar me recompor sem mais pressões externas.
Muitos olham e pensam que é indiferença. O mundo vê grosseria, mas por dentro, tem alguém implorando pra ser compreendido, tentando colar rachaduras com as mãos trêmulas. Tentando não desmoronar na frente de quem talvez não saiba o que fazer com a nossa dor e nem nos ofereça braços para nos amparar.
Tem dores que a gente só consegue sentir sozinha. E tem dias em que o isolamento é menos sobre fugir e mais sobre sobreviver.
Me recolhi porque era o único gesto de autocuidado que eu conseguia fazer.
Não para ser esquecida, mas para lembrar de mim. Não para abandonar o mundo, mas para me encontrar dentro dele, de novo.
Incontáveis foram as vezes em que meu coração levantou a voz porque ninguém percebeu que ele estava sofrendo em silêncio.
Ele gritava de jeitos que ninguém soube decifrar — em forma de impaciência, afastamento, cansaço, respostas curtas, olhares vagos.
Então fui guardando o que doía. Empilhando opinioes não ditas. A pilha cresceu tanto que passou a pesar mais do que eu podia carregar. Uma hora o coração cansa de ser ignorado até por quem o carrega, e quando ele se expressa em taquicardias emocionais, batendo descompassado, já não é mais pra ser entendido — é pra tentar sobreviver.
Por trás dessa raiva também mora uma tristeza que só quer ser reconhecida. E quando a gente permite que ela apareça, sem defesas, sem máscaras, começa também a possibilidade de cura. Que eu aprenda a ouvir o que o corpo tenta dizer quando a boca já se calou. Que eu olhe com mais ternura pro que não sei explicar.
Talvez crescer seja isso: não aprender a controlar o que sente, mas permitir-se sentir com mais verdade, sem tanto medo de desmoronar na frente de alguém.
E se ninguém notar que meu coração está em colapso, que ao menos eu não o ignore. Porque o mínimo que podemos fazer por nós é ouvir aquilo que ninguém mais conseguiu escutar.
Eu não escrevi pra te dar respostas. Nem pra romantizar a dor. Nem sempre a gente precisa entender o que sente pra merecer acolhimento.
Às vezes, só precisamos de um espaço onde possamos existir sem explicação. Se esse texto te deu esse espaço, mesmo que por alguns minutos… então já valeu a pena.
Nossa… eu li esse texto e parecia que alguém tinha colocado em palavras exatamente aquilo que eu sinto, mas nunca soube explicar. Me identifiquei demais. A maioria das vezes em que fiquei de mau humor, na verdade, era só uma forma torta de querer que alguém me entendesse, me enxergasse de verdade, sabe? Era como se, por trás do silêncio ou da irritação, eu só estivesse dizendo: "me nota, me acolhe, fica aqui comigo, mesmo sem saber o que dizer". É muito doido perceber o quanto a gente vai se endurecendo pra não se despedaçar. Esse texto me lembrou que, às vezes, a gente só precisa de um pouco mais de gentileza, até da gente com a gente mesma.
Tati, você tá na minha cabeça? hahahaha hoje acordei pensando nisso tudo e você, com seu texto, me deu um caminho e mais um espaço para reflexão. obrigada demais 💜