Ser compreensiva demais me deixou doente
O preço de ser adorável é muito alto quando quem paga sempre sou eu
Existe uma coisa que ninguém me avisou sobre crescer: às vezes, você vai se engasgar com a sua própria vontade de agradar.
Eu, por exemplo, tenho um medo quase patológico de confronto. Meu coração dispara só de pensar em dizer que algo me incomodou ou me machucou.
Pode parecer exagero, mas toda vez que me posiciono, sinto como se estivesse colocando em risco o carinho que alguém sente por mim. Como se impor um limite fosse o mesmo que empurrar o outro para longe. Como se me defender viesse com a punição de ficar sozinha.
E aí, entre a raiva de engolir sapos e o pânico de parecer ingrata ou difícil, eu escolho ficar em silêncio. Um silêncio bonito, educado, aparentemente pacífico, mas que tem um preço alto.
Porque toda emoção não sentida arruma um jeito de doer em outro lugar. O estômago revira, o sono vai embora, e a cabeça se enche de diálogos que nunca aconteceram. No fundo, tudo que eu queria era ter dito o que doeu, na hora certa.
Fingia que está tudo bem, que nada disso importou. E nesse papel de pessoa compreensiva e boazinha, quem acabava ferida era eu.
Passei tanto tempo agradando que esqueci como era sentir raiva. Mas algo dentro de mim gritava por justiça. Fui me tornando aquela mulher que ninguém odiava… porque ela mesma se apagava antes que alguém tivesse a chance de rejeitá-la. E sim, por um tempo, isso funcionou.
Ser amada era meu troféu. Até eu perceber que, pra ganhar esse amor, eu tinha deixado de existir.
Por muito tempo, minha maior ambição era ser amada. Não admirada, não respeitada, não sequer compreendida, amada. Silenciosamente, fui me moldando para caber no espaço que me davam, mesmo que fosse apertado, desconfortável ou completamente desalinhado com quem eu era.
Fui treinando minha leitura emocional como quem aprende a andar em ovos - sem nunca quebrar nada, além de mim, e quando percebia qualquer sombra de decepção nos olhos de alguém, lá estava eu, pronta para recuar.
Aprendi cedo que me posicionar tinha um preço. E na minha cabeça, o preço era sempre alto demais. Discordar era arriscado. Dizer não, um convite para o abandono. E então fui me tornando uma especialista em agradar.
A campeã mundial do tá tudo certo (mesmo quando não estava nem um pouco)
Não era exatamente uma mentira — era mais como uma omissão estratégica da minha própria verdade.
Por fora, eu era a pessoa mais fácil de lidar. Sempre compreensiva, maleável, com um sorriso pronto e o coração escancarado. Mas por dentro… por dentro, morava uma coleção de pequenas raivas engolidas, opiniões que nunca saíram da garganta, incômodos varridos pra debaixo do chão invisível onde eu escondia tudo que não sabia como dizer.
Tudo isso em troca de aceitação. Como se o carinho dos outros fosse uma flor frágil demais pra suportar o vento da minha verdade.
E o mais cruel? Muitas vezes, funcionava. Eu era querida. E como é sedutor ser querida!!! Ser a pessoa fácil de lidar, que não complica a vida alheia, que está sempre disposta a entender o outro. Até que um dia, percebi que, nesse processo de ser adorável para os outros, eu estava me tornando uma estranha pra mim mesma.
Porque sim, o silêncio também tem consequências. Ele mina a autoestima aos poucos. Quando você nunca se escolhe, começa a acreditar que não merece ser escolhida. Quando você sempre cede, começa a achar que não tem o direito de ocupar espaço.
O medo de confronto vira um medo de si mesma — de ouvir a própria voz e descobrir que ela está rouca de tanto não ser usada. Fui me calando tanto, tanto, que um dia nem eu sabia mais o que queria dizer.
E então, timidamente, comecei a testar os limites da minha coragem. Uma conversa difícil aqui, uma opinião impopular ali, um não dito com o coração disparado. E a cada vez, algo em mim se fortalecia. Não porque era fácil — nunca foi — mas porque eu percebia que sobrevivia. Que o mundo não acabava quando eu me posicionava. Que, na verdade, o que acabava era a sensação de estar me traindo.
Algumas pessoas se afastaram. Outras, se surpreenderam. Mas o mais importante: EU me aproximei de mim.
Também percebi que outras ficaram. Pessoas que me escutaram, que acolheram o que eu disse sem virar as costas, sem transformar meu incômodo em drama, sem me fazer sentir culpada por ter sentimentos. E foi aí virou a chavinha: quando eu me posiciono, não perco o afeto das pessoas certas. Eu só afasto as que estavam lá por conveniência, não por amor.
Aos poucos, isso vai se tornando dívida emocional. Você se endivida de si mesma: tempo, energia, verdade. Vai pagando com silêncios sufocados, vontades adiadas, raivas disfarçadas de empatia. E o mundo aplaude - afinal, quem não gosta de alguém que nunca causa problema, não é mesmo?
Mas o que ninguém diz é que esse papel de boa, compreensiva e sempre disponível tem juros altíssimos. E quem paga… é você. Com saúde, com exaustão, com ausência de si. O preço de ser sempre compreensiva é não saber mais como se impor.
Hoje, sigo praticando. Ainda me assusto com a possibilidade do outro se ofender, se fechar, ir embora. Mas me assusta mais a ideia de continuar me traindo só para ser aceita.
Descobri que existe uma liberdade estranha e bonita em dizer o que dói — uma libertação que vem quando a gente percebe que o amor verdadeiro não exige nossa omissão, mas sim nossa presença inteira.
Agora eu entendo um pouco mais: se alguém só consegue me amar quando eu escondo partes de quem eu sou, esse amor não me serve.
Ainda sinto medo. Ainda fico com o coração na mão quando preciso discordar, dizer que algo me machucou ou que tenho uma necessidade que talvez não agrade.
Mas entre a paz falsa de agradar e o desconforto verdadeiro de ser honesta, tenho escolhido, cada vez mais, o segundo. Porque talvez o afeto verdadeiro não seja aquele que vem quando somos agradáveis — mas aquele que permanece quando somos reais.
O que eu mais quero é aprender a ser verdadeira sem medo de perder quem me cerca. Porque relações que valem a pena não desmoronam com a verdade — elas se fortalecem.
E no fundo, eu não quero mais ser só amada. Quero ser vista. E pra isso, preciso aparecer inteira — mesmo que às vezes isso cause ruído. O silêncio me dava carinho, mas a verdade tem me dado liberdade. E sinceramente, tô aprendendo que é um preço que vale a pena pagar.
Um brinde à coragem de dizer que algo nos machucou, mesmo com a voz trêmula. À força de reivindicar cuidado e respeito, mesmo quando bate aquele medo de parecer exagerada.
E principalmente, um brinde a nós: que aos poucos vamos trocando o medo de perder o afeto pelo prazer de não nos perdermos de nós mesmos.
Eu poderia tatuar esse texto na minha testa, injetá-lo nas minhas veias, e ainda assim não seria o suficiente. Pela primeira vez, me senti verdadeiramente compreendida. Eu escrevo para tentar me entender, mas às vezes, acabo me encontrando muito mais nos seus textos do que nos meus. Estou chorando. Esse texto foi como um abraço apertado de alguém muito querido — um acolhedor "vai ficar tudo bem". É como se todos os anos em que deixei de tentar me explicar, por ser cansativo demais, fossem recompensados por palavras que, enfim, descrevem absolutamente tudo o que eu sou. Me perguntei se existia algo nesse mundo capaz de me entender. E então veio esse texto — que conversou comigo como uma pessoa mais velha, sábia, que entende da vida e me olhou nos olhos sem pressa, dizendo: "eu te vejo".
Meu Deus! Que texto mais lindo!! Como pode alguém traduzir os sentimentos tão bem! Muito obrigada por esse abraço, por esse carinho na alma ❤