A raiva feminina é uma força política
não nos ensinaram a senti-la, mas sentimos mesmo assim (e ainda bem!)
quando uma mulher levanta a voz, a sociedade se incomoda. quando ela franze a testa, responde com firmeza, se recusa a sorrir para aliviar o ambiente, há sempre alguém pronto para rotulá-la: exagerada, descontrolada, difícil. aqui vai uma outra verdade: ninguém gosta de uma mulher com raiva.
nos ensinam que ser aceita significa ser agradável. que nossa voz deve ser doce, nossas palavras cuidadosas, nossos gestos, suaves. que devemos engolir sapos com elegância, encontrar jeitos bonitos de expressar até mesmo nossa indignação. mas quem se beneficia quando aprendemos a sorrir ao invés de reagir?
nos fizeram acreditar que sentir raiva nos torna menos femininas, menos dignas, menos amáveis. mas a história mostra justamente o contrário: foi a raiva que nos trouxe até aqui. foi ela que fez mulheres desafiarem regras injustas, marcharem por direitos, denunciarem o inaceitável.
convenhamos, ninguém gosta de uma mulher com raiva. mulheres devem ser doces, pacientes, compreensivas. devem ter um tom de voz agradável, ouvir mais do que falam, ser fáceis de conviver. mulheres que se irritam, que expressam frustração, que perdem a paciência são vistas como demais: dramáticas, exageradas, problemáticas. mulheres com raiva incomodam.
porque a raiva feminina não é só uma emoção. é um ato político. a raiva feminina é uma força que impulsiona a transformação social.
ouvi recentemente um ted talk da soraya chemaly sobre o poder da raiva feminina, e uma frase dela ficou na minha cabeça: “a raiva feminina é uma força política.” não é apenas um sentimento passageiro, nem um descontrole – é uma resposta legítima a um mundo que nos silencia, nos limita, nos diminui. nossa raiva pode ser a semente de uma nova era de justiça e igualdade.
não foi por gentileza e compreensão que conquistamos direitos básicos; foi porque algumas mulheres, em algum momento, se recusaram a aceitar o que lhes diziam ser o normal. sentiram raiva e transformaram essa energia em ação. afinal, sentir raiva é resistir ao silêncio imposto.

desde cedo, aprendemos que meninos podem ser bravos, bater o pé, gritar quando algo não sai como querem – “é assim mesmo”, dizem, “meninos são mais agitados.”
já meninas precisam ser educadas, gentis, agradáveis. se choramos de frustração, somos dramáticas; se nos irritamos, somos mandonas.
e assim, crescemos ouvindo que nossa raiva é errada, enquanto a dos meninos é compreensível.
não precisa muito pra perceber isso. basta repararmos como reagem quando um homem se irrita e quando uma mulher faz o mesmo. um homem pode xingar no trânsito, interromper uma conversa ou gritar um palavrão durante um jogo de futebol – é instintivo, é coisa de homem.
agora, experimente ser firme demais, levantar a voz ou responder à altura em alguma situação onde nos exige isso. de repente, você não é mais “autêntica” ou “espontânea”; você é rotulada de descontrolada, exagerada, histérica, difícil de lidar.
a nossa intensidade não deve ser reprimida, mas sim expressada. encontrar maneiras de demonstrar nossa indignação é um ato de autoconhecimento e liberdade.
historicamente, a raiva feminina sempre foi o estopim de grandes transformações. desde as sufragistas1 que desafiaram um sistema que negava o direito ao voto, até as mulheres que, em tempos de revolução, canalizaram sua indignação para derrubar estruturas opressoras, cada manifestação de raiva foi um passo rumo a um mundo mais justo.
cada grito de revolta, cada protesto, cada ato de resistência foi uma semente plantada para a mudança. nossa história é marcada por momentos em que o brado de nossas vozes ecoou e desestruturou paradigmas que nos oprimiam.
as mulheres que se recusaram a aceitar normas limitantes, que transformaram sua fúria em mobilização coletiva, nos abriram caminhos para conquistar direitos e redefinir espaços. a raiva, quando bem direcionada, constrói pontes e derruba muros.
o que acontece quando uma mulher deixa de se desculpar por estar brava? ela para de aceitar o inaceitável. ela deixa um relacionamento que a desgasta, questiona um chefe que a subestima, exige respeito em vez de gratidão pelo mínimo. ao expressar nossa verdade, rejeitamos as amarras da conformidade. afinal, nossa raiva é resistência, é a força que reconstrói e transforma.
devemos parar de acreditar que sentir raiva nos torna menos mulheres, menos dignas de serem ouvidas, menos merecedoras de respeito.
mesmo quando temos razão, mesmo quando somos levadas ao limite, surge aquela culpa silenciosa: será que exageramos? fomos agressivas demais? deveríamos ter falado com mais calma?
quantas vezes já nos questionamos após uma discussão onde estávamos certas? essa dúvida é o resquício de um sistema que nos ensinou a diminuir nossa própria voz.
nos ensinaram que sentir raiva é pior do que sofrer uma injustiça. temos que ser compreensivas, empáticas, calmas – temos que saber ceder. mas quem ganha com isso?
quando tentam nos convencer de que estamos exagerando, quando nos dizem para falar com jeitinho, quando fazem parecer que nossa raiva é o problema e não o que a causou, o que realmente estão dizendo é: seja inofensiva. mas a raiva não é inofensiva.
mulheres bravas mudam o mundo. e não, eu não quero ser ou parecer inofensiva.
toda mulher já sentiu a frustração de ser silenciada, de ser obrigada a engolir injustiças, de se questionar se deveria ter falado de um jeito mais brando para ser levada a sério, mas da próxima vez que sentir essa raiva dentro de você, não tente apagá-la.
se tem uma coisa que eu quero que você leve deste texto, é que sua raiva não é um defeito, nem uma fraqueza – ela é um sinal de que algo precisa mudar.
é hora de pararmos de pedir desculpas por sentir e ouvirmos o que nossa raiva tem a dizer.
porque mulheres que se permitem sentir são mulheres que fazem história.
obrigada por ler até aqui! deixe um coração e/ou um comentário se gostou? :)
ativistas que lutaram pelo direito ao voto feminino no século XIX e início do século XX.
E o riso então? Mulheres que riem jogando a cabeça pra trás eram as bruxas e as putas, princesas e damas da alta sociedade riem discretamente, andam discretamente, quase pedem desculpas por existir. Somos muitas e somos fortes e o patriarcado não vai mais nos calar!
Avante mulheres, que esse poder é nosso!
texto maravilhoso como sempre. me fez lembrar na Rosa Parks. com raiva de ter que ceder seu lugar no ônibus para pessoas brancas, acabou liderando uma greve enorme e protagonizou a luta pelos direitos civis nos eua. a raiva feminina é realmente uma força política, da forma mais literal possível!